Pesquisa realizada na Faculdade São Leopoldo Mandic é parte de um projeto global que detecta tendências sobre confiança em vacinas e hesitação em vacinar
Apesar de serem inegáveis os benefícios da imunização, cada vez mais pessoas têm ficado hesitantes com relação às vacinas. Por esse motivo, o ressurgimento de doenças já erradicadas no passado tem sido um problema de saúde pública e motivo de preocupação em todo o mundo. Para avaliar a confiança nas vacinas e a hesitação em vacinar no Brasil, pesquisadores da Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, realizaram um estudo em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine.
Foram entrevistadas quase mil pessoas que têm filhos, por meio de um questionário sobre percepção em relação às vacinas e à vacinação. Perguntas exploratórias adicionais foram feitas aos pais de crianças menores de 5 anos. Essas questões geraram informações sobre o comportamento em relação à vacina, opiniões sobre vacinação e serviços públicos de saúde e hesitação em vacinar.
Os resultados da pesquisa foram descritos no artigo “Vacina: Confiança e Hesitação no Brasil”, publicado no periódico Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz, e mostraram que ainda há mais confiança na imunização do que nos serviços de planejamento familiar, agentes comunitários de saúde e serviços de emergência.
A taxa geral de hesitação foi de 16,5%, enquanto 81 (23%) dos 352 pais com filhos menores de cinco anos estavam hesitantes em relação à vacinação de seus filhos e 6 foram totalmente recusantes (7,4% dos hesitantes).
Apesar de a confiança geral da vacina ser alta, o estudo mostrou que há uma tendência para que níveis mais baixos de confiança estejam associados a níveis mais altos de hesitação. “Também notamos que houve uma associação importante entre hesitação e recusa vacinal, porque houve mais recusa em pais hesitantes do que em pais que não hesitaram em vacinar. Podemos concluir que a hesitação é um fator de risco importante para a recusa e que precisa ser monitorado e investigado periodicamente”, afirma Marcelo Sperandio, professor e pesquisador da Faculdade São Leopoldo Mandic e um dos autores do artigo.
No Brasil, o estudo identificou que há um risco maior de hesitação em pessoas com índices socioeconômicos mais baixos. Porém, o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi que mesmo pessoas com índices socioeconômicos mais altos também podem hesitar e se recusar a vacinar os filhos. “Ficamos intrigados com isso, pois imaginávamos que pessoas com mais acesso a informações sobre a importância e eficácia das vacinas fossem completamente a favor delas, sem hesitação alguma”, comenta Sperandio.
“Vacinas desnecessárias”
A maior porcentagem de motivos de hesitação foi atribuída a questões de confiança: 41,4% e 25,5% não acreditam que as vacinas sejam seguras ou eficazes, respectivamente. A hesitação devido a preocupações com eventos adversos representou 23,6%.
Dentre os motivos de hesitação e recusa, houve uma parcela importante dos entrevistados que julgaram as vacinas como desnecessárias. “Esse foi um dado interessante porque foi maior no Brasil do que nos outros países em que esse índice foi avaliado. O ‘desnecessário’ foi algo peculiar da nossa população. Agora resta saber por que essas pessoas acham isso”, enfatiza o professor.
“Esse tipo de estudo é importantíssimo para o monitoramento dessa tendência de hesitação, porque a hesitação leva à recusa. Precisamos monitorar a hesitação para poder intervir antes de termos uma bola de neve de recusas que pode causar problemas para todo mundo. Se a pessoa não se vacina, ela traz a doença de novo para a comunidade e outras pessoas acabam contraindo a doença”, avalia Sperandio, lembrando que o Brasil perdeu, em 2018, a certificação de país livre de sarampo, conferida pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), após registro de surtos de disseminação do vírus.
Vaccine Confidence Project (VCP)
No Brasil, o estudo realizado pelos pesquisadores da São Leopoldo Mandic, e coordenado pelo Dr. Marcelo Henrique Napimoga, diretor de pós-graduação, pesquisa e extensão da Instituição, é o primeiro que se dedica formalmente a avaliar o estado de confiança da população nas vacinas. E é parte de um projeto mais amplo, que mapeia a confiança em vacinas globalmente, o Vaccine Confidence Project (VCP).
O VCP foi criado em 2009 para entender, monitorar e responder a questões sobre confiança em vacinas e programas de imunização em todo o mundo. O projeto detecta sinais e identifica tendências de recusa vacinal que, se forem detectadas em estágio inicial, podem ser enfrentadas e modificadas.
Napimoga explica que o VCP criou um questionário – utilizado na pesquisa no Brasil e que também é aplicado em vários países -, que mede variáveis dinâmicas sobre confiança em vacinas, como é o caso da hesitação. Ele ressalta que trabalhos anteriores mostravam apenas a recusa em vacinar, sem necessariamente fazer associações com a hesitação.
“Já o VCP mede o risco de recusa a vacinas que está diretamente relacionado à hesitação, ou seja, medindo hesitação você consegue ter uma ideia prévia do risco de a pessoa se negar a vacinar as crianças. É importante medir a taxa de hesitação porque é um dado dinâmico, que varia de acordo com diversos fatores, que podem ser políticos, sociais, econômicos, demográficos e religiosos”, argumenta Napimoga.
Variável dinâmica
Sperandio lembra que a coleta de dados para o estudo no Brasil foi feita em 2016, quando houve uma grande epidemia de dengue e foram confirmadas as suspeitas de que o surto de Zika Vírus era responsável pelos inúmeros casos de microcefalia. Naquele mesmo ano, a crise política havia culminado no impeachment da ex-presidente Dilma Roussef.
Para o professor, essas questões políticas e de saúde pública podem ter sido a causa da falta de confiança da população nas vacinas naquele momento. “Os níveis de hesitação podem diminuir, por exemplo, conforme o momento político se torna mais estável.”
No entanto, para que essa hipótese se confirme, é preciso que a confiança, hesitação e recusa sejam medidas periodicamente. “Este foi o primeiro estudo realizado no Brasil e que deve abrir espaço para que outros estudos sejam feitos. A ideia é que a mesma forma de avaliação seja usada em outros momentos, para que se saiba como essas tendências variam ao longo do tempo e por quais razões”, ressalta Sperandio.
Tendência mundial
Os dados coletados no Brasil foram semelhantes aos dados encontrados em outros países, com algumas diferenças pontuais em relação à confiança em outros serviços públicos de saúde, seguindo, portanto, uma tendência mundial de hesitação vacinal.
“A disseminação de informações inverídicas sobre as vacinas tem auxiliado a aumentar a hesitação vacinal em todo o mundo, o que tem feito ressurgir doenças que já haviam sido erradicadas”, avalia o professor da Faculdade São Leopoldo Mandic.
Em 1998, uma pesquisa, realizada no Reino Unido e publicada na conceituada revista Lancet, mostrou a possibilidade de um vínculo causal entre o autismo e a vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. O que era apenas uma hipótese, foi o suficiente para que os índices de vacinação contra essas doenças caíssem no Reino Unido e em diversos países ao redor do mundo.
“Esses fatos históricos têm um impacto direto nos níveis de hesitação. Quando se detecta um nível maior de hesitação, é a hora ideal para que os governos tomem medidas locais para evitar índices maiores de recusa, agindo diretamente nas causas”, conclui Sperandio.
O artigo Vaccine confidence and hesitancy in Brazil (doi: 10.1590/0102-311X00011618), de Amy Louise Brown, Marcelo Sperandio, Cecília P. Turssi, Rodrigo M. A. leite, Victor Ferro Berton, Regina M. Succi, Heidi Larson e Marcelo Henrique Napimoga, está publicado em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2018000905014&lng=en&tlng=en.